terça-feira, 18 de agosto de 2020

Não preciso inventar

Não preciso inventar

É só tirar

Do balaio

Imagens a dançar.

 

Movimentos, passagens

Tive-os demais

No rincão selvagem

Entre milharais.

 

Transborda o balaio

De imagens a dançar.

Colho-as pela estrada

Livre, descuidadamente

Sem medo de dispersar.

 

Ouvidos atentos.

Grilos e animaizinhos

Não conseguem burlar

O silêncio dos caminhos.

 

Eis que atordoado

Pela gripe esticada

Passeio pelos ermos.

Água na fonte?

Haja meio de a colhermos.

 

Curvas são morros.

No fundo o arroio.

Capoeiras e canas

Foi-se a seara

No lombo dos comboios.

 

Canas de milho

Pelo chão, nas passagens.

Pontas de arvoredo

Sacudindo na aragem.

 

Não sei inventar

O que faço

É inventariar.

Do fundo do balaio

Tiro imagens

Agora...

Agora é só cantar.

Ecopoesia

Nostalgia e utopia reunidas

numa viagem de Vidal Ramos a Ituporanga

 

Na inebriante admiração

O começo da filosofia,

Diz-nos a lição peripatética.

E das mesmas fontes beberiam

Musas das artes poéticas.

Qualquer passante que contemple

Rósea aurora nos outeiros

Admirada tem a sua mente.

Sob douradas grimpas de pinheiros,

Bebe orvalho, bebe poesia

Qual um ébrio caminheiro.

 

Por isso consagro-te carinhos,

Dadivosa mãe ecologia.

E entre gabirobas e laranjas

Venho celebrar-te a via,

Que saindo de Vidal Ramos

Vai no rumo de Ituporanga.

Se ora canto a ecologia

Que associa matagais e sangas,

Não, não darei por esquecidas

A gentileza, a fidalguia.

Assim, a poesia é servida:

Ao lado da natural beleza,

Desde priscas eras é tecida

Humana, singular grandeza.

 

Já estamos no espigão da serra

No lombo de cavalo, em plena ação.

Vejo os montes que longe se descerram

Com restos de mata, em inanição,

Em pleno azul o sol que reverbera

Milhos e feijões cobrindo o chão.

Das brenhas ouço bugio que berra:

Não sei dizer se é fome ou solidão.

Eis a flora atlântica em plena luz,

Com pátrio nome, o salto Santa Cruz.

 

Daqui saíram úteis as madeiras

Da floresta exuberante e colossal.

A peroba e espécies caneleiras

Forneciam para as casas e o curral.

Não havendo a indústria serralheira

Era ao braço serrado o taboal.

Há herdades, cidades, sementeiras.

Arapongas? Talvez  no faxinal.

Que dizer da riqueza in natura?

Tarde amamos o resto que perdura.

 

Se olho os campos em calmo dormitar,

Não foi assim há muito tempo atrás.

Aqui reinava a mata embalsamando o ar.

Veio o homem e derrubou o sassafrás

Com seu perfume e lenho a encantar,

E demais madeiras lá nos matagais.

Com elas levantamos nosso lar.

Agora, vejo verdes, restantes umbrais

Como aflitos seu destino a deplorar.

Mas ainda é tempo, se tempo achais

Por convívios, várzeas, faxinais

Para  a amizade e  beleza decantar.

 

Os olhos n'horizonte estão,

Mas os volto para o chão

Desta estrada inolvidável

Que partindo de Vidal Ramos

Na direção de Ituporanga

Não é menos aplicável

Nos ditames do ambiente

Ao país do Ipiranga,

Como ao mundo habitável.

 

 Por essa mesma via,

Da ocasião me valho,

Doentes ao hospital corriam,

Vindos no lombo de cavalo

Sua saúde conseguiam.

 

Eu não faço exceção,

Em viagem tumultuada

Fui à mesa de operação.

E ora estou de Ituporanga

Exaltando a boa ação.

 

Finalmente em calmaria

Tive a rica hospitalidade

Dos tios Irinéu e Maria.

Dos primos e primas louvo

E enalteço a cortesia.

 

Não foi só a enfermidade

Que me levou a essa via.

Também carinho e lealdade.

Com meus manos cavalgando

Vi exemplos de amizade.

 

Se da mata louvo a beleza,

E das culturas a riqueza,

Não é tudo que devo honrar.

Lembro-me de Paulo Setúbal

E das pessoas que se punham

No seu retorno o abraçar.

Canta cafezais em alinho,

Parasitas em plena flor,

Mas o poeta dá valor

Às pessoas e seu carinho.

E ele diz com emoção:

"Todos eles quando eu passo,

Num longo, num rude abraço

Apertam-me ao coração."

 

Não chego à tanta efusão

Mas não posso reclamar

De ter menos atenção:

"Como está, como vai seu pai,

Sua mãe já melhorou?

Lembranças para os dois,

Foi o Mafra quem mandou."

 

Outro amigo que me encontra

Agora conta de suas caçadas,

Duas pacas e uma lontra.

Dói-me ouvir de tais façanhas.

Antes que o possa revidar

Me diz: "Mas mato as ararinhas."

É bom freguês do Pantanal:

Mil tuiuiús ao matagal,

Nos rios dourados e piranhas.

Muitos casos ainda me conta,

Mas anda com cautelas estranhas,

Depois que viu o rastro duma onça...

 

Creio que todas as saudades

Que há na sofredora humanidade

Cruzam-se pela estrada afora:

Meu filho foi ao Paraná,

Comenta vizinho de outrora.

Daí fiquei sem assistente.

Conforme espero: já de volta está.

Que venha disposto e contente

Pois o pão de cada dia

Maiores tréguas não me dá."

 

Anda esquecido o bom homem

Que muitos a migrar pra lá,

Por motivo da erosão

Que traz à terra exaustão

Ou por outra decepção,

Estão de volta para cá,

Outros indo mais à frente,

Onde a selva está presente,

Muito além de Cuiabá.

 

Vem aí colega meu de escola

Acenando cortês pra mim.

Boa praça: sempre me amola

Quer saber como está passando

A filhota do seu Crispim,

(Cá entre nós, um Serafim).

Banco o pouco interessado,

Que rapaz afortunado,

Ela é: aurora num jardim.

 

Já percebi que muitas raças

Fazem deste chão passagem

Alguém já longe me saúda,

Em bom sotaque de alemão

Parou aí a camaradagem

Mais que isso da linguagem

Confesso já não sei mais não.

Que importa, não é nada

O que a língua não desata,

Diz melhor o coração.

 

E vou por estas capoeiras

Enlevado na inspiração.

Na paisagem do Campestre

Vive o elemento polonês.

Não existe quem mais seja

Entranhado camponês.

Como os avós cultiva a uva

E da nativa grandiúva

Faz o trato da leiteira rês.

 

Nesses lados primorosos

Têm chegado açorianos,

Lá de Portugal vieram,

Das ilhotas do oceano.

E margeando o litoral

Têm raízes há par de anos.

Por causa da latina língua

Com eles logo se entendem

Imigrantes italianos.

Descender se dizem estes

Dos lombardos, de romanos.

Coração e simpatia

Têm de sobra os africanos.

Como o povo do Zé Belmiro

Bons amigos no retiro

De meus grandes veteranos.

 

Todos se sentem brasileiros

Conforme pude compreender.

Somente lhes ficou a língua

E a saudade do estrangeiro

Em vez de trigo, colhem milho

E os grãos de cafezeiro.

A rigor somente o índio,

Habitando matos ínvios,

É nativo brasileiro.

 

Existe também a saudade

Dos lugares, de fundões,

D'avoengos paradeiros.

E propalam a meus botões

"De São Pedro é meu avô",

"Minha avó de Biguaçu",

"Minha mãe de Canoinhas",

"Eu nasci no Mulungu".

"De Desterro vinha o pai,

Contornando as itoupavas,

Vaus do Itajaí-Açu".

"Bisavô, de Joaçaba,

Ervatais atravessava,

Rumo ao Peperiguaçu."

 

Todos cantam no seu modo

Brado heróico do Ipiranga,

De imitar não me incomodo

Chico Buarque de Holanda,

Tenho heróis pernambucanos,

Bandeirantes e mineiros.

Acrescento os tijucanos,

Joinvillenses, lajeanos...

E esses no carvão obreiros.

Sejam cidadãos praieiros

Ou peões de vaqueanos,

São artistas brasileiros

D'Oiapoque ao minuano,

Lá no pampa missioneiro.

 

Continuamos velejando

Mesmo sem naus ou oceanos.

"Há sempre um copo de mar"

Por onde navegar possamos

E ilha verde com magia

De perfeita ecologia

Longe ou perto descubramos.

Invenção de Jorge de Lima?

Em seus versos nos louvamos.

Realidade ou utopia:

Ainda estamos em Vidal Ramos.

Não me peçam o ano nem o dia,

Eis os pássaros que idealizamos

Anuns com cantos e alaridos,

Joões de barro duetando

Quero-queros sempre inquietos,

De longe humanos observando.

Chupins nos altos arvoredos,

Nos campos, nos galpões aos bandos,

Canário da terra, quer na telha

Quer nos laranjais trinando

É sinal que estamos no Campestre,

Onde a brisa sopra campeando.

 

Sim, aos passarinhos da paisagem

A alma cabocla de Setúbal,

Através de muitos de seus versos,

Já rendia as suas homenagens:

"Do mato cerrado e umbroso

Vêm cheiros de manacás";

Com seu séqüito numeroso

Vai dançando o tangará

"Num pau-dalho alto e frondoso

Vai um concerto furioso

De bentevis e sabiás."

 

Já o esplendor da atlântica mata

Com seus urus e frutas atas

Com baguaçus de alva flor

Pequiás, ticuns e jacutingas

Esmaece aqui nas bracatingas.

Em troca, ganhamos a majestade

De altas, soberbas araucárias

E de outras mais ainda

Vejo imbuias mais que centenárias,

Ervas-mates proveitosas

Apesar de amargas, milagrosas

Para digestão e coronárias.

 

Sigo e vejo as capoeiras,

Nos quintais as pencas das pereiras,

Nas pastagens reses e alimárias,

Em cultivo, aveia forrageira

No lar a criançada arteira

Patinhos nas águas lagunárias.

O cão latindo corre pra porteira.

E vendo-a fechada à via agrária

Vai acuar as  vacas leiteiras.

 

Sobranceiros pinheiros lá por trás.

Eles que deram pinhões aos índios,

Aos esquilos, caitetus e gralhas

Nos seus ramais ostentam gravatás

Desde pequeno cultivo o gosto

De contemplar as araucárias,

Já fim de tarde, no sol posto.

Qual um Cruz e Souza simbolista

Passo a vista às copas centenárias.

"O sol no poente abre tapeçarias",

E rosácea luz, no frio da invernia,

Se distribui por taciturnas araucárias.

 

Do devaneio rosicler acordo,

A menina que conheci outrora

E pelo que sei já é senhora,

Vejo, está em minha frente.

Conta de si, de seus parentes.

E entre as lembranças papagaios,

Que, às dezenas se divertiam

Comendo do milho que caía

Das carreadas, dos balaios.

 

Preocupada, pergunta ela,

Onde estão meus louros tagarelas?

Respondo: "Os troncos nos peraus

Onde papagaios fazem ninhos

Sumiram, e com eles o picapau

Com topete em torvelinho

Que pena, parece mau agouro,

A paisagem sem as falantes aves

É como a flor sem abelhas e besouros."

Surpresa,o que ouvimos? Creu... créu...

Papagaios voando lá no céu

 

Chega um lavrador que imitava

O longo trilo dos nhambus

E estes reagiam na mata brava

Diz da saudade dos urus

Que cedo de manhã cantando

Pelo fim de tarde se esmeravam.

Lembra os coatis e os tatus

A mão-pelada e caitetus

Que na brenha extremunhavam.

 

Já quase noite, é meu aparte,

Lá nas torres tangem sinos

Estrelas, aos milhares, ardem

E da floresta brotam hinos:

Uru... uru... que cantoria

Enobrece o fim do dia?

São os urus que não esquecem

De entoar a sua prece

Nessa hora de saudar Maria.

Maviosos bons cantores.

Convosco cantarei louvores

Para a Imaculada Virgem Pia.

 

Agora escuto de montanos

Onde se ouve o borocoxó

E também de varzeanos,

Onde canta o chororó:

Sem as matas por moradia

Foram sumindo até tucanos

Ariscas pacas e cotias.

E nas brumas das manhãs

Já não fazem arrelia

Escandalosos araquãs.

 

Está passando com seu baio

O filho do Alberto Otto,

De cabelos louros, clara pele,

Já de muito longe o noto.

Moravam lá nos fundos

Onde nasci e me criei.

Assim um estupendo mundo

De peraus com eles tenho.

Somos da beira do Faxinal,

De arapongas e carazal

E força d'água dos engenhos.

 

Explico: o Faxinal consistia

De glebas de cima da serra

Pouca utilidade possuíam.

Só o gado, por baixo ao mato

Nas paragens , persistia.

E era refúgio à passarada

Que por pios cantar soíam.

E também a fonte das aguadas

Quais em ribeirões desciam.

Mas a mata, ao ser cortada,

Cristalinas águas reduzia,

E era o drama, comentamos nós,

Que a juritis, a noitibós

Em seus lares atingia.

 

Na verdade, diz-me boas novas

Este antigo colega e vizinho.

Haviam se passado para cá

Buscando terras ubertosas.

O destino não lhes foi mesquinho

Por aqui no terreno plano

Terras fáceis de arar

Dão searas mais por ano.

E terras de encostas e peraus

Cobriram-se de capoeiral,

Retornando à paz d' antanho.

 

Tinha encontrado alguém

Feliz, sem mágoa de ninguém.

Mesmo assim ouvi aflições, canseiras

O motivo? Escassez de madeira.

Ouço ao longo da cavalgada

O ecoar de chorumelas:

Onde achar agora as matas

De perobas e canelas,

De angicos, cabreúvas

Pra moradas e cancelas.

Onde achar a canharana

Boa  de esculpir gamelas

Onde agora achar o louro,

A guajuvira, bons tesouros

Pra mobílias e capelas?

 

A coivara levou

O fogo queimou

Ninguém plantou

Urubu pousou.

 

Entre outros encontro um serrador

Que tem trabalho e amolação

Pra trazer madeira desejada

Ao cliente encomendador.

Caras madeiras chegam de distâncias,

Ao ateliê do escultor,

Às pousadas e às estâncias

D'inspirado construtor,

De cavacos, serras e cepilhas

Rebentam móveis e vasilhas,

E há perfumes no lavor.

 

Longe, ao jângal tropical

Mais madeira se vai buscar

Rouca ruge a motosserra,

Amazônico mundo a derrubar.

Mundo de seres encantados,

Iaras e botos, irá finar?

Haja corte selecionado

Para a selva preservar.

Valiosos, raros vegetais

Para fins medicinais

Lá estão por pesquisar,

Mas tal  como o corvo em Edgar

Arremeda o fogo: "Nunca mais".

Troncos nus a crepitar,

Cinzas flutuantes a falar:

"Fomos um sonho, nada mais".

E aves que uma vez cantaram

Agora certamente: "Nunca mais".

 

Virola e mogno, nobres lenhos,

São extraídos d'Amazônia.

Açaís, araras, pirarucus

Chegam-nos por meio de Rondônia

Foge cantador uirapuru.

Vendo sob os pés cair floresta

Sem aviso ou cerimônia

Depredando mata Hiléia,

Só recebemos acrimônias.

Nova face exibe a epopéia:

Auto-sustentar pujante Hiléia

Com juízo e parcimônia.

 

Com o pensamento imerso

Nos igapós e matagais,

Das Amazonas universo,

Cujos caminhos são aguaçais

Retorno à térrea, simples via

Haja florestas poupadas

Delas se faça a moradia.

E possam lá fazer seus ninhos,

Aves a pairar nos céus

Ensina Cristo em homilia

Da semente pequenina,

Ao ir pregando pelas vias

Da Terra Santa, a Palestina.

 

Mas por matos devassados

Que bons ares me traziam

Surge agora, a pé andado

Alguém que longe me sorria.

Mais conhecido de meu pai

Uma palha de fumo amacia.

Enquanto o pito prenuncia

Bela história contando vai.

 

A idade, o aspecto venerando

Deste tipo de brasileiro

Com fala mansa e seu palheiro

Faz-me ouvi-lo proseando:

"Acaso sabes como foi feita

Essa estrada que vês bonita

Não era assim há muitos anos          

Quando eu vim fazer casita

Nesta terra que tanto amo.

 

Aqui a custo passava cavalo

De arreio, desses de montaria

Com mais apuro passaria

Qualquer carroça pelo atalho.

Mas igreja de São Sebastião

Que patrocina Vidal Ramos

Encomenda altar pra devoção

Quando transportá-lo vamos

Tão grande era, que atentamos

Que só viria em caminhão.

 

Eu mesmo, sem faltar à modéstia

Fui juntando o pessoal

Que em meio a muitas peripécias

Pôs-se a cortar o matagal

Lá na serra de Riozinho

Para abrir caminho tal

Por onde o caminhão pudesse

Ziguezagueando pelos esses

Entregar a peça ao pedestal.

 

No planalto havia facilidade

Em fazer traçado para estrada

Mas no vir declividade

Ficou feroz a empreitada.

Quando havia sol de placa

Era só beleza e amenidade

Mas na chuva e tempestade

O barro embarga, tudo empaca.

 

Eu ficava ouvindo, sem falar,

Pra não perder o fio da história.

"Da dificuldade vem a glória",

Segue o velho seu narrar.

"Um grupo trata da madeira

Pra fazer as pontes sobre rios

Cantando à serra em chiadeira.

Outros trazem cestos de comida

Que mulheres, louvando a Aparecida,

Fazem com panelas de fogueira.

 

Outro grupo cuida de animais

Como os bois a puxar a terra

Aos lugares onde falta mais.

Ou cavalos a trazer à serra

Pás e ferramentas manuais.

Outro grupo faz melhor traçado

Apropriado a caminhão

E com ele altar da devoção

Chegasse à paz do povoado.

 

A serra tão difícil de passar

Nunca a vi tão enfeitada

Como no dia em que altar

Veio triunfante pela estrada

Pra trazer altar d' Eucaristia

Tivemos trabalho e ardor

Muito mais sofreu o Redentor.

Hoje só cantamos de alegria.

 

A palha do fumo que picara

Já não valia pra fumar

Porque as lágrimas a molharam

E as minhas também banharam

Meu cavalo a me levar .

Essa a história dessa via

De Vidal a Ituporanga

Que muito pouco eu conhecia.

Por isso, sinto estrada afora

Tanto no passado como agora

Certo ar de divina nostalgia.

 

Enquanto o velho se despedia

Caía na retina o belo sol

Que nesses altos se espargia.

Bela Vista, já em Ituporanga

Esplendidamente traduzia

A beleza ímpar do panorama.

Tanto na cerúlea serrania

Quanto nas valadas eu sentia

Efeitos que só vejo em cinerama.

 

Eis encontro historiador

Amigo doutros carnavais.

Depois de oi e como vai

Diz das novas de pesquisador

Que vasculha o descobrimento:

No lado oposto ao Bojador

Lusos tiveram achamento.

Há quinhentos anos com deslumbramento

Viram esta terra de esplendor.

 

E entre outras notoriedades

A cercar Brasil e Portugal,

Além da língua, Fé e civilidade

Que vieram com lusas naus

Fala com veraz sagacidade

Não haver  outrora milharal

Nas aráveis terras de Cabral,

Do Brasil chegando a utilidade

 

E foi dizendo ilustre amigo

O que dentro de si guardava:

"O astro sol que dardejava

As eiras do Douro em Portugal

Já Antônio Nobre o celebrava:

'Ao sol fulgura o oiro dos milhos

Os lavradores mailos filhos

A terra estrumam... " eh bois, bradavam.

Respondo ao mote sol e milho:

"A Paulo Setúbal deslumbrava

O sol tostando o arraial:

'Ao sol quente e louro,

Com seus penachos cor de ouro,

Como é lindo o milharal'.

 

Ambos os poetas decantavam

Coisas do seu torrão natal.

E o mesmo sol de azuis alturas

Que brilha pra nações irmãs

De Brasil e Portugal

Faz brilhar a formosura

Que contemplo deste trilho,

Portentoso mar de milhos

Com cebolas na fundura.

 

De fato é isto o que se enxerga

Na parte próxima ao panorama

Desses altos de Bela Vista.

Muito longe mal se alberga

O que as almas toca e chama,

A tênue serrania da Geral.

De resto transviadas malhas

Da antiga capa florestal,

E de permeio algum pinhal,

Lá semeado pelas gralhas.

 

Pouco, quase nada se perturbavam

Tanto Setúbal quanto Nobre

Se à paisagem sobrepairavam

Pinheirais, ipês ou robles.

A seu tempo não os preocupava

(Por tanta fartura em que nadavam)

O que da natura a vindouros sobre.

Do ambiente sequer se cogitava.

Estavam atentos mais no brilho

Com que o sol à flor dos milhos

Atraía abelha ou mamangava.

E o trabalho dos lavradores

A tratar de naturais splendores

Com viva cor o celebravam.

 

Minhas apreensões se justificam.

Se a tudo cobre o milharal,

A mata e seu vasto arsenal

Simplesmente se nulificam?

Virgem mata seja à humanidade

Fértil mina de diversidade

Prospere o louro cereal

Mas da mata espero abrigo

Para mim e o cavalo amigo,

No mormaço tropical.

Isso é bem menos que esperava

Pero Vaz quando ao rei narrava

Das matas do Monte Pascoal.

 

Imerso estava em tais idéias

Eis vejo de mim se aproximando,

Após desembarcado da boléia,

Colega meu, um bom poeta,

Que rimas faz de vez em quando.

Amigo, disse, cumprimentando-o,

Conheces heróis da natureza

Que seu nome andaram projetando

Através ambientais proezas?

 

"Estou pensando em Burle Marx",

Disse, nem um pouco titubeando,

"Para logradouros e jardins

Do seu Rio e mais cidades

Procurou  deveras cultivar

Arbórea, verde majestade.

E o sítio Santo Antônio da Bica

Foi transformando em lugar

De flora resplendente e rica.

Ali das saxícolas e das epífetas,

De copadas árvores magníficas

Salienta a veia ornamental,

E à Cidade de luz e maravilha

Por seus montes, praias e ilhas

Recupera o que lhe era natural."

 

"Bravo, bravíssimo", retruquei,

"Ratifico as tuas homenagens,

De outros lembrarei coragem

Por nossas coisas, nossa grei.

Falo agora de Raulino Reitz:

A flora de Santa Catarina

Mapeou-a com Roberto Klein.

Teve andanças peregrinas

Padre Raulino em toda parte,

Quer serra abaixo quer serra acima

Sementes, flores colheu com arte.

Espécies muitas em Itajaí,

Das araucárias às mirtáceas,

Das suas bromélias às musáceas,

Tudo pesquisado coube ali."

 

"Prodigioso é este Herbário",

Retoma o fio meu amigo,

"Que gigantesco inventário:

Dos espécimes medicinais,

Madeiras para reflorestamento,

Canela-preta ou sassafrás,

Copas de sombra e ornamento

Butiás e corte de frutais

Eis um portentoso monumento.

Das florestas ancestrais,

Pluviais de junto ao mar,

Latifoliadas e pinhais

Das quais há pouco a celebrar,

Lá se acha o sortimento

Replantá-las desejais?

Buscai ali conhecimentos.

Com Zilda Deschamps e Ademir dos Reis

Que das palmas sabe as leis

Vai avante o monumento."

 

Tocado por tamanha eloqüência

Em exaltar heróis excelentes

Animei-me em dar seqüência.

"Augusto Ruschi, capixaba

Estudo fez de beija-flores,

Também impacto de tais primores

Na brava selva pesquisava.

E perquirindo espécies plânticas

Que colibris, ao voar, beijavam

Dele com razão se comentava

Ser doutor em mata atlântica.

Dos índios fez-se logo amigo.

E eles o acodem quando aflito,

Doente por sapo venenoso.

Fazem-lhe o ritual da pajelança

Pra curá-lo, fato não ditoso,

Mas consolou-o cordial usança."

 

O amigo gosta da folgança:

"Nas Gerais Alterosas, Mello Barreto,

Proveu conselho e sabedoria

A Burle Marx em seu projeto:

Dar à nossa flora primazia.

Quis dizer-lhe: não isoladas

 São as plantas nas matarias

Mas tecem entre si conjuntos

De notável  senso de harmonia.

E antes de tocar cidadania

É preciso ver-lhes hábitat

Em que se esmeram em sintonia

Araxá, Pampulha ornou Barreto

Com beleza, pompa e galhardia."

 

"Grande poeta, não me leve a mal",

Falei, assás elogiando-o.

"Agora vou à floresta tropical,

À biodiversidade d'Amazônia,

Abrigada à massa vegetal

Às espécies písceas e quelônias.

Selvas naturais de seringueiras

Defendeu com garra Chico Mendes.

Queria se fizesse a extração

Da rica espécie borracheira

Sem ferir porém sustentação,

No futuro, da floresta inteira.

Muitos rejeitam tal lição

E Chico morre à bala, à traição,

Não porém ambiental bandeira."

 

O amigo ainda tinha munição:

"Como não lembrar o grande herói,

Defensor do meio ambiente

Cujo nome é Paulo Nogueira

A quem preza todo um continente

Pois bateu-se com bravura

Por normas antipoluentes

Para os ares, águas e a natura,

No caso de resíduos e efluentes

Da industrial manufatura.

Luminosa foi a sua bandeira:

É possível tal agricultura

Que não dizime a cobertura

Virginal das amplidões campeiras

Nem os bichos em suas travessuras

Nem as aves cantadeiras.

Viva a paca e a saracura.

 

Tocando a charrete na poeira

O inspirado vate lá se foi

Não se esquecendo de louvar

Os que se esforçam por salvar

A arara-azul, o peixe -boi.

Ainda inclui em seu poema

Parques naturais de norte a sul

Os que reciclam a piracema,

Os que lutam por preservar

Os riachos em seu manar

Os verdes mares de Iracema.

 

.Eram salvas e urras a ouvir

Após torrente d' eloqüência,

Era natural o aplaudir.

O povo que ouvira em reverência

Agora se espalhava aos poucos

Comentando o seu sentir,

Na paisagem de capões e tocos.

Eu a sós fiquei com meu cavalo.

Este bem quisera o intervalo

Eu o pus a beber dum poço.

 

Mais tempo livre tinha agora

Pra ver os longes além, afora

Antes que a vista contemplasse

Das taquaras gentis enlaces

Ainda me detinha às serranias.

Depois a vista vinha à procura

Das ricas lombas de agricultura

E a esbeltas plantas se estendia

Como ipê florido na paragem

Que jogando ouro na pastagem,

Aves e humanos seduzia.

 

 

Avançando um pouco mais,

Já não avistava os montes

Que azulavam no horizonte

E sim vizinhos matagais

Que pendendo dos barrancos

Vêm saudar-nos com ramais.

Sem pressa o cavalo na ladeira.

Cuidado, vai-se devagar,

Aqui é forte a pirambeira

E o sentido é não tombar

Cá no Morro da Gabiroba.

Tinha chovido, à madrugada

E é perigo a enxurrada

Aos a cavalo e sobre rodas.

 

Muitas pessoas ajuntadas

Aqui em volta ao caminhão

Davam a idéia da enxurrada.

Ronca o motor à exaustão

O pneu patina, patina... e nada.

Mas o chauffeur não fica só.

Põe um correntes ao rodar

Outro busca pedra e cascalho

Pra vencer a lama no lugar

Muitos sem nada nas mãos

Juntos ajudam a empurrar

O gigante atado ao chão

Depois de muito se tentar,

Pegou, lá vai o caminhão

E gritam, com suor a transpirar,

Com alegria a transbordar:

"Venceu a raça, o coração".

 

Mas quem vejo nesse morro,

A pé  puxando o cavalo?

É o João Geraldo, na subida.

Dona Cecília seu regalo

Vai sentada ao banco da aranha,

Que é charrete de rodas altas.

A estrada mais parece valo

Quando a chuva se esparrama

E apear em nada extranha

Alivia-se muito ao cavalo,

Na subida, a forte faina.

O casal amava nos visitar.

Que festa, corríamos a saudar

Vendo o par chegar de aranha.

 

Bela jornada por essa via

Tive pra meu ócio e alegria

Vêm-me agora reminiscências

De Viagens na minha terra,

De Anto, o Só, a poesia.

Lá ia a brava diligência

A subir, descer as serras,

E chegava, em tom de refulgência

"Cheia de guizos tlim, tlim, tlim".

 

Minhas senhoras e senhores,

À viagem e seus lavores

Vou agora pondo um fim.

A Paulo Setúbal, que celebra

Nosso povo e nossa terra,

Meus louvores outrossim.

Perdoem-me, se levo o cavalo,

É preciso alimentá-lo

Após trazer-me no coxim.

 

Cantarei agora com São Francisco

Que dos bosques e das aves

Seu irmão se faz chamar,

E também com Santa Terezinha

Que eflúvios mil de rosas

Não cessa do Céu mandar:

Obrigado irmã floresta,

Por crianças embalar,

Obrigado, irmã floresta

Por tantas aves a trinar,

Obrigado irmã floresta,

Pelo ribeiro a sussurrar,

Obrigado, irmã floresta,

Pelas frutas ao paladar

Obrigado, irmã floresta:

O solo estás a preservar

É contigo, floresta, que queremos

Por tantos dons a Deus louvar.

 

Deixando atrás capões e sangas

Onde o sol cintila e alma canta

Fico a meditar: que bom seria

Se gabirobas e laranjas,

Quer às matas, quer às granjas

Juntas vivam na harmonia,

E as famílias por varandas,

Tenham paz e bonomia

Cá na resplendente via

De Vidal a Ituporanga

Meu Deus, que bom seria,

Amizade mais ecologia,

Grande apologia

Na país de Ibirapitanga.